segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Medo de mudar

Na véspera da Marcha à Brasília estávamos lá. Sentados, impacientes, nos entreolhando e temerosos que um maléfico plano arbitrário fosse inserido sem o mínimo de consulta. De fato isso aconteceria alguns meses depois e nada poderíamos fazer. De qualquer jeito, aquele dia ele não o foi. Um pouco mais de trezentos e cinquenta estudantes possuíam um objetivo em comum: barrar a qualquer preço aquele projeto insano que sucatearia as universidades a longo prazo. Das cadeiras, o público inquieto se remexia e engolia a insatisfação diante dos absurdos que eram proferidos pelos agentes do capital. O ministro do cinismo, em sua soberba, apenas nos observava cético, provavelmente, refletindo quanto a possibilidade de se livrar daquilo.

O período era frutífero para revolucionários: ocupações em todo país, expulsão de estudantes que lutavam por assistência estudantil no campus... Tudo isso num cenário de reformas universitárias comandadas pelo capital, crescente criminalização dos movimentos sociais, além da proposta de votação de uma Lei antigreve pelo representante mor do lado de lá. O ataque era desumano e recrudescedor por parte deles. Por outro lado, lá estávamos nós. Nus em armas, mas preparados intelectualmente. Solidários. Esperançosos.

Percebemos que vencemos, quando, diante da anunciada derrota, o inimigo, envergonhado, se retirou. Apenas o observamos incrédulos desmerecer a um conselho e ultrapassar a porta com passos ligeiros. Não nos restou alternativa. Reforçaríamos a ocupação daquele espaço. E lá ficamos durante dois dias. Temerosos da repressão, nos conhecendo, vislumbrando o futuro... Mas se foi. As pessoas mudam, ideologias mudam, medos mudam... Meus amigos cresceram e eu não. E quem disse que eu quero?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Uma canção para o dia


No meu previsível cotidiano busco incessantemente trilhas sonoras para visualizar poesias nos meus tristes dias. A abertura nos últimos meses se deu com “Vai trabalhar, vagabundo”. Música que inicia o dia e é tocada de três a quatro vezes até eu me dar conta que Chico Buarque é mal-educado e não respeita o sono alheio. Acordo e me arrumo, enquanto meus amigos antenados de república escutam algo da moda impossibilitando qualquer escolha mais refinada. Parto pra universidade com os fones no ouvido esperançoso que alguma rádio toque algo agradável e o ambiente me apraze esteticamente no decorrer do caminho. Escuto notícias... Mais do mesmo. Opiniões reacionárias e peruas passeando na rua com seus poodles. Mudo a estação: música clássica e operários almoçando na padaria da esquina. Os operários erguem suas colheres de feijão, enquanto uma sinfonia lenta – que desconheço – é tocada. Apesar da combinação curiosa sigo em minha procura pelas ondas radiais. Um pagode conhecido é alongado na voz de algum grupo com o nome engraçado. Surge um casal de namorados vestidos em seus uniformes de colégio público trocando carícias e gírias contemporâneas. Escuto o pagode por mais alguns segundos e novamente troco a estação. Finalmente uma canção que me sensibiliza. Algum samba já escutado de agradável melodia. Porém carros buzinam e pessoas gritam. O desencanto do momento é notório. Restam alguns metros e não consigo harmonizar uma paisagem cotidiana com uma canção. Desisto de arriscar e ponho na minha playlist. O destino não colaborou e cabe a mim força-lo. Infelizmente é tarde. Escuto o meu nome. Foi-se qualquer possibilidade de poetisar o dia.



domingo, 21 de fevereiro de 2010

(Des)universitários

No bojo das profissões neoliberais surgidas no Brasil do início da década de 90 com os governos Collor e FHC, as empresas de telemarketing vão se destacar justamente por atender a demanda da juventude universitária ansiosa de um emprego remunerado para suprir as exigências de gastos que garanta a sobrevivência no meio acadêmico.

A Terceira Revolução Industrial que surge timidamente na década de 70 vai se destacar pela inclusão da informática, robótica e outros fatores, além do fenômeno da globalização - ou “globalitarismo” – que vai permitir a inserção de empresas multinacionais e posteriormente transnacionais agindo em países periféricos. Todos esses fatores vão desembocar num descarte da mão-de-obra humana que no início da nossa década se agrava provocando um considerável aumento no nível de desemprego não só nos países de capitalismo tardio, mas também nos países de capitalismo avançado. Esses últimos recorrendo a estratégias retrógradas como a mais-valia absoluta sobre a juventude e imigrantes.

No Brasil – país de capitalismo tardio – diante da frágil Constituição e de todo um aparato repressor ao trabalhador, vai ocorrer uma orientação para a informalidade e terceirização dos serviços. Tendo como seu alicerce o consumismo, o atual capitalismo vem justamente enxugar as suas necessidades em empresas onde o objetivo é a venda do supérfluo. É nesse contexto de redução de custos e aumento de vendas que são contratadas as empresas de Call Center. Incumbidas de concretizarem metas para suas contratantes, as empresas de Call Center vão subordinar os trabalhadores a situações desumanas acarretando em problemas psicossomáticos, “alexitímicos”, além de um processo de insensibilização.

Tendo como maioria jovem universitários, as empresas de Call Center assumem um discurso de “qualidade total” onde há a exigência de novas “qualidades pessoais” por parte dos trabalhadores. As exigências serão orientadas pelo setor de recursos humanos que apontam estratégias que visem o lucro, porém com uma nova roupagem que busca a integração dos trabalhadores com o intuito de atender as expectativas das metas. A ressignificação de alguns termos é a principal ferramenta dessas empresas. O “espírito de equipe” ou o “vestir a camisa da empresa” são valorizados, já que a troca de favores entre o “time” permitirá que as metas sejam alcançadas. Na verdade essa característica apenas mascara a substituição do antigo capataz que controlava as tarefas dos empregados e a intensificação do trabalho, dando a falsa impressão de que não há hierarquia e que todos são companheiros, onde cada um colabora para a vitória final daquele “time”. A comunicação com o patrão permite que se despreze a dicotomia classista patrão-empregado evitando que haja reivindicações trabalhistas. A iniciativa também é muito valorizada e recompensada, pois impede que se comprometa a produção.

Diante da recusa de parte majoritária de organizações sindicais da década de 70 em levantar questões relativas à subjetividade dos trabalhadores temerosos de que a superestimação desse fator poderia desviar para um “egocentrismo pequeno-burguês” - já que a esquerda ainda via a psicanálise como uma ideologia reacionária – irá permitir que na década de 80 fique a cargo dos patrões. A criação do conceito de “recursos humanos” introduz métodos de favorecimento ao crescimento lucrativo empresarial. O setor de relações humanas surge como um motivador do trabalhador para que esse despreze seus problemas, que na maioria das vezes são resultados da própria empresa. Além de um ambiente totalmente precário - como vários colegas já me confirmaram - a exigência para atender as metas, provoca nos trabalhadores diversas deformações não só psicológicas, mas também orgânicas.

O ambiente da referida empresa é composto por uma cadeira - que muitas vezes está quebrada - e ar condicionado com freqüência insuportável, onde o funcionário tem que ficar sentado às vezes até cinco horas em frente a uma tela de computador atendendo telefonemas - que são gravados e constantemente avaliados pelo superior - sem poder ir ao menos ao banheiro. Além de diversas doenças orgânicas como: infecção urinária, tendinite, problemas de visão e audição, gastrite - o curto intervalo de tempo para o lanche leva o operário a uma mastigação pouco efetiva do alimento - há uma gama de problemas psicológicos enfrentados pelos trabalhadores.

A perversidade imposta por essas empresas em busca das metas faz com que esses universitários - como se não bastassem os compromissos acadêmicos – ocultem a crueldade temerosos de serem demitidos, resultando numa incapacidade de expressar verbalmente problemas sociais, mesmo que a fisiologia aparente. A cultura do contentamento propagada pelas empresas faz com que manifestações como: ódio, tristeza ou aborrecimento seja vista como desviantes. A invisibilização do sofrimento é a diretriz básica. Essa síndrome da insensibilidade, segundo estudos psicossomáticos recebe a nomenclatura de alexitimia que é a incapacidade de expressar ou distinguir os sentimentos. Na maioria das vezes os companheiros de trabalho ansiosos em alcançar metas, sequer se preocupam com aquele que está na mesma classe. Os que procuram ajuda dos médicos (que são do próprio plano dado pela empresa) são simplesmente desprezados a pedido dos patrões. É conhecidos casos de universitários que entraram em depressão tendo que abandonar os estudos.

O que era pra ser um espaço de debate político, cultural, acadêmico, esportivo com aquisição de novos amigos, acaba se tornando um obstáculo a ser superado diante da crueldade do capitalismo neoliberal. Inúmeros jovens universitários são obrigados a se submeter à exploração cruel para conseguir sobreviver numa Universidade. A vivacidade e o estímulo dão lugar ao marasmo e a tristeza. Cabe a nós, estudantes, exigirmos juntos ferramentas daqueles que as detêm, para que assim nos seja dado o que é de direito para que, assim se possa ter a liberdade de chorar ou sorrir e quem sabe, até de se humanizar.

TEXTO ESCRITO EM JULHO DE 2008

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Verdade

Muito tempo depois foi que eu descobri
Que o mundo para mim nunca foi nada bom
Eu vivo sofrendo desde que nasci
A somar desenganos e desilusões
Os amores que arranjo morrem prematuros
É uma luta tremenda para sobreviver
Eu não tenho passado, presente ou futuro
Mesmo assim lhe asseguro que quero viver.

(Nelson Sargento)

Sempre me perguntei com total ceticismo o porquê de se remoer com problemas facilmente contornáveis e alimentar angústias ao invés de buscar outras atividades. Muitas estratégias são utilizadas pra desprezar tais obstáculos, algumas dão certo outras atenuam. A priori pode parecer algo ínfimo, mas quando penso a quantidade de amigos meus que buscam em terapeutas as soluções de seus problemas fico mais assustado com a contemporaneidade.

Só sofri dessa auto-retaliação (alguns preferem dizer reflexão do seu eu) quando mais jovem. Tinha meus 15, 16 anos e diante de uma desilusão amorosa foi obrigado a repensar como agir em dada situação que naquele momento era nova. Busquei, através de poesias e dias inertes no espaço, esquecer qualquer resquício de sinceridade que ainda existia. Duraram alguns anos, mas enfim se foram pequenos detalhes de franqueza e imaturidade. Até ontem imaginei ter profundo conhecimento da minha pessoa a ponto de lidar friamente em qualquer situação. Como um roteiro sistematicamente trabalhado aprendi a usar nas mais diferentes situações expressões e palavras que requeressem dado contexto e assim amenizassem situações de descomprometimento com amigos, ficantes, familiares, dentre outros seres humanos. Virei um refém das minhas próprias mentiras. Tudo era dito apenas com o intuito de reconhecer sorrisos, olhares e a satisfação de pessoas opostas, sendo que, não havia o mínimo de sensibilidade ali. No decorrer de dias tudo se naturaliza e não temos mais noção do que nos transformarmos. Só me dei conta ontem. Era pra ser mais um encontro, mas, infelizmente não foi. Diante da verdade as mentiras não saíam. Diante do belo e do puro, as mentiras se travaram. Quando reconheci tal característica já era tarde. Espero que seja algo passageiro e que não comprometa minhas próximas atuações. Não quero ser verdadeiro como meus amigos que buscam em terapias ou em alguém suas lamúrias e sinceridade.

Sociedades e ideologias são muito mais além do que conflitos internos. Para esses sim é necessário ser verdadeiro e em tal ponto eu sou. Espero não sofrer novas surpresas, afinal o todo é mais necessitado de ajuda do que eu de mim mesmo.