Estação de ferro Central
do Brasil em 1899 (fotografia de Marc Ferrez)
Se me perguntassem qual
lugar do Rio de Janeiro eu mais tenho apreço, afirmaria com a profunda certeza:
Cinelândia, por uma série de questões, que deixarei para falar em outro
momento.
Porém, um dos lugares que
mais mexem com minha vida urbano-geográfica é a Central do Brasil. A Central é
como um time de futebol, uma relação de amor e ódio, de profundidade e
superfície, de distanciamento e aproximação. Posso passar nesse lugar mil vezes
no mesmo dia que sempre vai ter algo novo pra eu admirar ou me chocar.
Ali, se encontra a síntese
do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil. Miséria e sobrevivência são carregadas nas
mãos daqueles que constroem riquezas pra poucos. A angústia se dá quando os
rostos cansados evidenciam o esgotamento da alienação, enterrados nas escrituras
sagradas, entre barracas de DVDs piratas, correm para agilizar o repouso ínfimo
para o batente do próximo dia.
Por outro lado, a História
nos é generosa quando representa todo o legado de uma classe reformulada no
mundo das máquinas e enriquecida com a pluralidade desse país marcado pelas
abissais diferenças, algo evidente na Central do Brasil. Sua alma traz
recordações de movimentos de uma classe oprimida e explorada, mas resistente,
indignada. Da mãe negra escrava de Maxambomba (atual Nova Iguaçu) às primeiras
operárias de Belém (atual Japeri). Dos peões que ergueram a cidade, o retorno
às sexta-feiras para Santa Cruz, após o hotel a céu aberto da Presidente
Vargas. Os "pivetes" corridos da Candelária com seus pedidos que
duram séculos, mas não porque eles querem, mas sim porque há passos apressados
dos trabalhadores e trabalhadoras para os vagões, cegos em suas atitudes
reproduzidas há décadas.
Apesar do tédio dos passos
uniformes e desinteressados daqueles e das heranças daqueles que a geraram, a
Central gosta de ser surpreendida e sorri quando sua monotonia é agitada, seja
num discurso para 200 mil pessoas ou em alguns jovens sonhadores puladores de
catraca. Fenômenos que a senhora Central reconhece, no auge da sua experiência,
como transformações densas que estão por vir. Como uma boa mãe, ela se preocupa
com seus filhos e filhas, embora, na maioria das vezes,
eles e elas não a escute...