Irei começar esse texto com
uma afirmação óbvia para os moradores do Grande Rio: o transporte público da
região é extremamente precário. É um tema simples, que já foi desenvolvido na
forma acadêmica, através de gráficos, rabiscos, referências, etc. Ou seja, a
comprovação fria de laboratórios e grupos de estudos em prédios pesados me
contemplaria. Porém, esse não é o meu objetivo ao dissertar quanto a tal
temática, que em sua derivação nos daria teses e teses para programas de
pós-graduação no Brasil afora. A minha questão é simples: é o meu trabalho de
campo, algo feito por um leigo há alguns anos, não para a academia,
logicamente, mas para a minha necessidade.
É importante compreender que
a dinâmica geográfica de uma metrópole, no caso, o Grande Rio, esclarece quanto
às regiões que sustentarão os anseios de uma classe. Para o nosso interesse: a
dominante. A divisão se torna clara quando percebemos o acesso que determinados
setores da sociedade têm a espaços culturais e de lazer. A conjugação de
fatores que promovem a dificuldade de acesso à esses locais privilegiados, só
vêm a reforçar essa clara segregação social. Por mais que sejamos românticos e
busquemos a democratização do conhecimento e o lazer, sabemos que a voracidade
do sistema que estamos inseridos, dificulta a propagação de tais valores, já
que a cristalização de hábitos como o coronelismo, religião, dentre outros,
marginalizam, na maioria das vezes, essas regiões do circuito de acesso a instituições alternativas de cultura, além do popular. Não aprofundarei na
discussão do popular, ciente que essa forma deve ser salientada. Porém,
até que ponto a massificação excessiva, sem o intercâmbio construtivo, alija e
deforma o trabalhador culturalmente?
Finalmente, chegarei ao
ponto principal de minha explanação, que se trata do deslocamento cruel e
desafiador ao proletário que reside em áreas marginalizadas do Grande Rio. O
monopólio das empresas de ônibus, amparadas nas suspeitas concessões, além das
insistentes rodovias privadas, impedem a estruturação de transportes mais
práticos e baratos como os ferroviários. Cabe ressaltar, que além dos preços
exorbitantes das passagens, há ainda os desgastantes engarrafamentos, que são
um acréscimo nas idas e vindas dos trabalhadores pelas sucursais viagens até o
núcleo da metrópole.
O terminal rodoviário Cel.
Américo Fontenelle, na Central do Brasil, é a síntese mais expressiva da
barbárie contemporânea que acomete aos “excluídos da civilização”. A
especulação imobiliária anuncia o progresso com a invasão de lugares clássicos
que compõem o ambiente, enquanto não se desloca às comunidades, e alinha-se com
o caótico e imenso comércio informal. Filas quilométricas anunciam o desespero
de horas e horas dos trabalhadores, trancafiados em caixas de metal, onde se debaterão
à procura de assentos, enquanto imaginam serem contemplados pelo divino, já que
os não considerados, só voltam para a casa na sexta-feira, enquanto se acomodam
em caixas de papelão pela Av. Presidente Vargas. É interessante acompanhar o
itinerário dos ônibus que atravessam o Grande Rio, principalmente na Baixada
Fluminense. Faz-se o diagnóstico de que não há linhas para a Zona Sul do Rio de
Janeiro. Muito se especula a respeito de tal mistério, mas há um aspecto
interessante, é nessa região que se encontra a profícua vida cultural da
cidade, com cinemas alternativos, exposições de arte, teatros e variados
eventos de promoção cultural que elevam a capacidade reflexiva e crítica do
homem. Conforme ponderei, não desprezemos a cultura popular, de massas, mas
saibamos reconhecer até que ponto a sua restrição limita o ser humano.
Alencar essas questões nos
faz compreender até que ponto a estrutura geográfica da cidade deforma
as indagações do homem sob o âmbito cultural. A necessidade da arte se faz
presente, enquanto autoconhecimento e reconhecimento coletivo, fatores
fundamentais no processo de conscientização da classe. Por isso, a busca por
políticas públicas que reconheçam a importância de um sistema de transporte efetivo e permita o acesso direto aos locais restritos de promoção da arte. Fator fundamental para a democratização desta aos trabalhadores residentes na periferia.