Iniciados em dezembro, o famoso “rolezinho”
vem se tornando uma ferramenta de mobilização nas grandes capitais do Brasil. O
movimento caracterizado por reunir milhares de jovens da periferia em espaços
como shoppings ou praças, têm sido constantemente debatidos nas mídias oficiais
burguesas e têm causado estranheza até em setores da esquerda.
Porém, diante da complexidade de nossa
sociedade tangenciada, principalmente, por sua constante urbanização, tais
movimentos devem ser debatidos com a devida cautela, sem cairmos na armadilha
de rotularmos binariamente.
O
direito à cidade
É sabido que nas recentes pautas do
capitalismo, há um profundo apego a reprodução do consumismo. A necessidade de realimentar o sistema com a
desvalorização de uso dos produtos e diminuição de sua vida útil provendo a
supervalorização do seu valor de mercado é uma ode ao “ter” da sociedade
contemporânea. A facilidade do crédito proporcionou a um falso estado de
permanência do poder de compra para a classe trabalhadora que inova no
revigoramento do sistema, fomentador das dívidas físicas individuais, sustentáculos
do consumo e de sua dinamicidade.
Alinhado a isso, temos a ampliação de
um projeto urbano que prioriza o desmonte do espaço público e potencializa a construção
dos espaços privados, seja para a construção de condomínios luxuosos para a
classe dominante, grandes estacionamentos ou espaços de interação coletiva direcionados
ao consumo, como o caso dos shoppings centers.
A destruição dos poucos espaços
públicos na periferia e o monopólio cultural diversificado restrito aos bairros
da elite, concluiu num vácuo que engessasse a juventude periférica em seu eco
expressivo, restringindo seus significantes culturais à margem
da cidade, o melhor exemplo é a criminalização do funk. Já alijada do intercâmbio cultural, com a
destruição dos poucos espaços alternativos públicos e privados, essa juventude
localizada em sub-empregos e precarizada, nasceu orientada a
ocupar-se em seu tempo livre nos espaços de consumo, contribuindo na rotação da
engrenagem de um hiato subjetivo e deformador.
O
“rolezinho” é uma reivindicação ao consumismo?
À primeira vista, determinadas
reivindicações de diferentes movimentos causam a devida estranheza, caso nos
apeguemos a leitura marxista vulgar da realidade, ancoradas no sectarismo de
desprezar as contradições que permeiam a complexidade dos debates. Como, por
exemplo, apoiar a união civil estável gay se somos contra a família ou
apoiarmos o movimento por reforma agrária se somos contra a propriedade?
São indagações que desnudas de uma
leitura sofisticada da realidade nos coloca no time da ordem, pois se despreza
o aspecto transitório do programa e suas conclusões contra-hegemonistas de
campo. Por isso, devemos ter o tato necessário ao compreender o recente
movimento do “rolezinho”, organizado via redes sociais, principalmente, nos
shoppings-centers.
Na Turquia, jovens se mobilizaram para
impedir a construção de shoppings nas principais praças de Istambul,
reconhecendo o impeditivo que esses espaços privados colocariam em suas
interações sociais. No caso do Brasil, onde o atrasado e o moderno convivem
harmoniosamente para a manutenção do sistema, nós tivemos a construção dos
shoppings centers em alguns lugares da periferia onde sequer se teve qualquer
espaço público de interação social.
A carência de espaços dessa
determinação revelou uma proliferação desses templos de consumo que se
mostraram insuficientes para uma juventude que anseia expor sua realidade, sua
expressão, não na periferia da cidade, mas sim, nos espaços freqüentados pela
elite que a domina no seu cotidiano. A juventude do “rolezinho” quer freqüentar
as zonas de lazer da cidade onde só lhe é permissiva sua exploração, sua deformação.
Essa juventude, em grande parte negra e pobre, quer coletivamente mostrar que é
maioria na população e que coletivamente não será oprimida pela sua origem ao
transitar nos espaços freqüentados por àqueles que só aparecem no outdoor das
janelas dos precarizados transportes públicos.
Eu
quero dar um “rolezinho”!
A polícia militar mais uma vez
demonstrou que só protege o espaço privado, além da própria corroboração da
justiça, como ficou exemplificado no shopping JK Iguatemi em São Paulo. A
burguesia se amedrontou com a “cobrança” dos jovens de periferia carentes de
espaços que contribuam em sua expressividade cultural. Os que alegavam que as jornadas de junho eram
atos não protagonizados pela classe trabalhadora, devem revirar-se em seus
conceitos, afinal, os precarizados querem lazer e mostrar que não são
invisíveis, como ficou claro no grito da juventude do “rolezinho” no Shopping
Internacional de Guarulhos no final de ano passado: “Chama geral pra se trombar no baile funk”.
Confesso que ir sozinho ao shopping freqüentado
pela classe dominante me deixa constrangido pelos olhares de medo ou na forma
que as madames e os playboys seguram seus pertences, como se eu fosse
roubá-los. Agora ir com minha galera da periferia dar um “rolezinho” me deixa
muito mais animado e seguro!
Não precisamos de PM, só queremos
lazer e o direito á cidade!
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