domingo, 30 de agosto de 2009

Aos amigos da década de 80 e início da 90

Quem teve a oportunidade de assistir na sua infância seriados japoneses como Jaspion, Jiraya, Changeman ou Cybercops sabe do que estou falando quando estou me referindo à disputa. Não uma disputa competitiva visando mostrar-se melhor que o outro, mas sim destruir o mal em detrimento do bem. O Mal que tem como norte tomar o planeta e explorá-lo independente dos resultados. Com uma postura agressiva os vilões representados por monstros comandados por um chefe [terrivelmente maligno] atacavam civis inocentes e destruíam cidades com a proposta de um governo ditatorial. A temática desses seriados girava em torno de um mundo melhor para todos em resposta a um possível mal. Nós que tivemos a oportunidade de assistir a essas séries tivemos o ensejo de refletir quanto a essa perspectiva.

Ao se analisar o público infantil de gerações posteriores percebemos certa mudança no que se refere aos programas infantis. Vou me ater à análise do desenho animado “Pokémon”. Criado em 1997 ele conta a história de Ash. Um jovem de 10 anos que busca, através de um monstrinho chamado Pikachu, competir em um importante torneio de outros pokémons[1]. O tal desenho já insere os jovens desse fim de século na perspectiva neoliberal da competição e do valorizado, agora, empreendimento. O protagonista diferente das séries abordadas anteriormente busca se consagrar como o principal treinador de pokémom do mundo! Ash não tem como objetivo o bem-estar da humanidade ou algo do tipo, mas sim em ter seu nome ecoado como um profissional bem sucedido. Os antagonistas do desenho são as outras equipes que em diferentes proporções buscam tal status.

Analisando tais desenhos percebe-se suas diferentes proposições no que concerne seus períodos. Não há de se surpreender tais características na sociedade contemporânea. A juventude amputada em uma análise mais refinada reproduz aquilo que lhe foi ensinado: competição desenfreada e desprezo ao próximo. Retrato dos nossos programas infantis.


[1] Monstrinhos que são aprisionados e utilizados como ferramentas de combate contra seus iguais.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Saudade

Mais um dia. O celular desperta às 6:00 e altero pra 6:15. Acordo sonolento e só. Como sempre. Sou feliz assim... Eu acho. Confiro se as músicas velhas foram baixadas corretamente durante a madrugada e vou para meu banho. Dentes, colônia, roupa, mochila e espelho... Observo se tenho algum pêlo no rosto. Sim! Tenho vários, mas não vou tirá-los. Vinte e dois anos e não tenho uma barba decente no rosto. Meu medo é a velhice se emputecer com as minhas reclamações e resolver tomar meu rosto. De qualquer jeito percebo que estou com mau humor... Novidade. Vou para o ponto de ônibus. Duas emergentes idosas se aproximam. Merda! “Bom dia, senhora...” , “Cheguei no ponto agora, não sei... ”. Chegou o ônibus! Graças a Deus! Ou melhor... Não! Tem gente saindo pelo ladrão! Alunos gritando e brincando de brigar dentro do ônibus. Por favor, ônibus, chegue na frente do colégio deles rápido. Ufa! Demorou... Agora falta pouco até as barcas. Coloco o MP3 no ouvido. É a minha única chance no dia de fugir do século XXI. Entro em êxtase agora... Os prédios antigos do Rio de Janeiro com as melodias da década de 30, 40... Tenho pena desses contemporâneos. Correm e obstruem a passagem dos outros. Ineptos! Acanhados! Vós sois os verdadeiros culpados por minha sociofobia! Que esse caminho até a barca seja eterno. Mas não é! Coloco o bilhete. Vejo rostos conhecidos e finjo que não os conheço. Torço para que não venham falar comigo! Não quero sorrir agora. Corro para um canto da estação. Aqui não me verão. E assim vou pela baía. Olhos fechados e retorno ao que deveria ter sido meu passado. Estou na década de 50 agora... Escutando a Rádio Nacional: Marlene, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Francisco Alves... Ahhh... Que pena que o tempo acabou. Pelo menos estou revigorado em parte pra enfrentar toda essa gente chata, egoísta e triste. Seja bem vindo ao século XXI!

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ordem de choque

Olhei pro espelho constrangido naquele momento. Os olhos daquele agora adulto me fitavam e exigiam uma resposta. Minha réplica fugia... Justo naquele momento ela se omitiu. Parecia confusa ou quem sabe desesperançosa. Procurei me dispersar. Busquei a fuga em coisas menos sérias. Mas a dor em meu peito não deixava. Ela latejava com raiva e sem pedir licença. Parecia se divertir da minha tristeza... Procurei buscar na mente o que tinha levado àquilo. E de repente me achei na Glória em uma pensão barata. Almoço por cinco reais num lugar quente e freqüentado por moscas, mas era o que podia pagar naquele momento, além de um chamariz: as pessoas. Composta em sua maioria por setores populares eles davam o tom para um lindo quadro, enquanto meu olhar dava os devidos retoques naquele ambiente putrefato, porém terno. Fiz o meu pedido ao garçom obeso que mastigava um palito e trajava uma camiseta de candidato político. Sentei-me ao lado de um gari. A mesa era composta apenas por trabalhadores. Formais e informais. Todos devoravam seus pratos com avidez, enquanto assistiam o noticiário esportivo na TV. O gari utilizava uma colher e a segurava de um jeito desajeitado, enquanto os outros dispensavam o uso da faca. Dividíamos a pimenta e não nos comunicávamos verbalmente apenas apontando os molhos da mesa acompanhado de um pedido com reticências. Um ventilador barulhento refrescava o ambiente. Após terminar a refeição fui agraciado por um café. Bebi vagarosamente e saí... Caminhava pela Rua da Glória a passos lentos, enquanto observava as pessoas e casas comerciais. Bares e moradores de rua... Uma sintonia urbana que, infelizmente, me acostumei. Meu caminho é interrompido com aquilo que me deixaria consternado pelo resto dos dias. Uma mulher aos prantos ao ver seu filho sendo levado. Já a havia visto algumas vezes pela Glória vendendo doces com sua criança nos braços. Andava descalça, era negra, cabelo sujo e roupa encardida. Aparentava ter entre trinta e cinco e quarenta anos, enquanto seu filho beirava os quatro anos. Sempre sorridente, apesar das adversidades, era comum vê-la utilizando bordões com o intuito de vender o seu produto. Naquele sorriso que lhe era comum agora só restava o choro. Ela e outros moradores estavam sendo expulsos de um cortiço abandonado que tinham ocupado. Uma viatura policial e um caminhão da Comlurb se encarregavam de fazer o trabalho burocrático prático, enquanto alguns populares curiosos acompanhavam. O chamado “choque de ordem” era aplicado com o aval da insensibilidade totalmente transposta nas gargalhadas dos policiais. Eu vítima da História e passivo a ela assistia a tudo. Os móveis da senhora eram jogados na carcaça do caminhão. Ela não se atinha a isso, apenas esbravejava e socava inutilmente aqueles que levaram o seu filho. As lágrimas dela em sincronia com as minhas desciam sem piedade. Senti falta de ar por uns instantes. Questionei o meu papel de figurante naquela cena indigna. Desde daquele dia passei a sentir vergonha de mim. Minhas noites de sono passaram a ser raras. As canções mais tristes. O tempo mais lento. Tenho vergonha do espelho.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Rotina

Numa dessas tardes de verão, lá estava eu a retornar para a minha casa depois de um dia cansativo. Incomodado pelo calor, eu caminhava a passos largos driblando pessoas e xingando semáforos, enquanto vigiava a hora no meu velho celular. Carros buzinavam, camelôs gritavam e meu desespero aumentava. O temor de perder o bonde e o sol forte a me castigar é um entrave no decorrer do caminho. A Rua da Assembléia parece interminável. Tenho raiva das pessoas! Depois sentirei vergonha disso. Senhoras que insistem em caminhar vagarosamente bloqueando a passagem. Entregadores de folhetos com propagandas de empréstimo bancário. Homens engravatados que observam a nádega de uma transeunte. Mendigos pedindo dinheiro. Tudo me irrita! Seres humanos viraram meus inimigos. É preciso chegar a tempo, mas os detalhes não deixam. O semáforo não colabora. É uma rotina bem diferente de Valença. Minha cabeça dói. O sinal abre. Não tenho tempo pra pensar futilidades. Tenho que andar cada vez mais rápido.
O Largo da Carioca... Preciso fazer dois minutos. Não tenho tempo pra “licença”. As pessoas me atrapalham. Estou estressado depois de uma madrugada sem dormir fazendo um trabalho e é preciso estudar pra uma prova no dia seguinte. Enquanto o sol me queima sem dó eu consigo fazer os dois minutos. Agora é outro caminho. Tenho que chegar na Estação dos Bondes em três minutos, senão só daqui a meia hora. Não posso esperar tanto tempo. Estou com fome e sede! Minha camisa está totalmente molhada. O suor desliza pelo meu rosto. Machuca os meus olhos. Ultrapasso o sinal. Quase perco a vida, mas preciso chegar a tempo. Falta um minuto. Preciso correr. Ahh... Consegui. O bonde está lá! Posso ver a fila. Espero que não esteja cheio. Não quero ir em pé. Estou cansado. Enquanto conto as moedas analiso as pessoas. Alguns gringos a turismo e outros já moradores que se identificaram com o Brasil. Estudantes de colégio público e alguns "pivetes" que farão manobras, enquanto o bonde anda, para regojizo dos turistas. A fila anda rápido para o meu deleite. Consigo me sentar. Coloco a cabeça sobre o banco e dou um cochilo de dois minutos, enquanto aguardo. Tenho a noção exata de que horas vou chegar em casa. Tudo é cronometrado. Não há muitas surpresas. Já fiquei amigo da rotina. Finalmente o bonde sai. O vento vem até mim e me acaricia com cuidado. Relaxo. É nesse momento que percebo uma germânica encostar seu braço ao meu. Isso me é estranho. Encostar-se a desconhecidos é estranho. Provavelmente ela irá se locomover para tirar fotos quando passarmos nos Arcos. Eu aguardo e ela não desencosta. Eu que até minutos atrás odiava pessoas estou ali sendo encostado por uma estrangeira. Esqueço meus últimos vinte minutos e me dou ao luxo de refletir: "Esses estrangeiros tão individualistas que se orgulham de seu capitalismo avançado e suas competitividades estão aqui se encostando a mim. Quem diria!". Eu me mexo desconfortavelmente, mas ela insiste. É nessa hora que paro um instante para admirá-la. Sua pele branca se torna vermelha devido ao calor tropical. Usa boné e óculos escuros. Veste uma blusa leve de algodão e usa short jeans com sandálias. Seu cheiro é de protetor solar. Ela é casada. Vejo pela aliança. Por um momento paro alguns segundos para observar seu rosto. Ela percebe e me cumprimenta com um sorriso. Sim. Um sorriso! Não de flerte ou zombaria. Um sorriso de cumplicidade. Humanidade! Um sorriso afetuoso. Parecia que estava me agradecendo a oportunidade de deixar que a tocasse. Por um momento eu pensei na sua vida. Na falta do toque no lugar que vivia. Na falta de amor entre os humanos. O distanciamento entre as pessoas. A valorização da matéria. A eterna preocupação em lavar o carro ou se portar decentemente diante de etiquetas. Diante de seu sorriso eu apenas gesticulei com a cabeça, pois sabia que ambos haviam se salvado naquele momento.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Meus quatorze anos

Meu irmão fez quatorze anos a quatro meses atrás. Para os que já passaram dessa idade sabe o quanto ela é importante, pois representa o momento de transição infância/adolescência. Logicamente sem desprezar o tempo de maturação segundo a individualidade de cada um, mas é mais ou menos nessa idade. Pra mim, pelo menos, foi crucial! Eu, um jovem interiorano sem grandes aspirações, estudante de um colégio público ansioso pelo primeiro beijo ou na esperança de uma macarronada no cardápio do dia, enquanto caminhava a passos lentos para o futuro. Seguia minha rotina sem jamais procurar compreender o que estava a minha volta, mas ciente de que havia algo errado. Via discrepâncias na sociedade e atitudes estranhas no dia-a-dia. Na minha ida colégio/casa e casa/colégio a pé – cerca de 30 a 40 minutos – passei a observar determinadas atitudes que em forma crescente passaram a me incomodar. Seres humanos sendo tratados de forma diferentes. Passei a me questionar o porquê de tal atitude, mas, eu era apenas um jovem de quatorze anos. Branco, com uma família em ascensão a classe média baixa, deveria não questionar, mas sim me centrar a um objetivo que me deixasse rico. Assim me diziam na escola. “Vocês estão aqui para se tornar alguém” bradavam os professores em alto e bom som. Segundo essa lógica, jamais seria alguém. Sempre fui um péssimo aluno, com inúmeras notas vermelhas e várias suspensões tendo passado por todos os colégios públicos do Centro de Valença. A escola para mim era uma obrigação imposta pela família para que “eu me tornasse alguém”. Logicamente que meus familiares estavam corretos diante de tal perspectiva, pois o diploma final me daria a oportunidade de angariar novas horizontes. Mesmo com todos esses conselhos não conseguia me adequar e aceitar tal ambiente. Escola sempre foi uma tortura.


No início apanhava quase todos os dias dos outros alunos pelo fato de ser branco, sendo suprimida tal atitude após perceberem que cor não denomina classe, pois suas buscas por “dinheiro para salgado” ou “merenda” eram em vão. Não possuía tal luxo. Usufruía, assim como eles, do almoço dado pelo Estado. Aqueles que se tornaram meus amigos eram em sua maioria moradores de fazendas com o pai se submetendo a um latifundiário ou residiam em bairros estigmatizados pela elite. Eles iam de chinelo, roupa encardida e com o cheiro desagradável. Era um dos poucos privilégios que eu tinha. Possuir um tênis, mesmo que razoável, e sempre ir com a roupa limpa. Exigência da minha mãe. Esses amigos que antes me sacrificavam agora caminhavam lado a lado comigo, contando suas histórias e sonhos. A cada dia me surpreendia com seus desabafos e eu via que minha vida era de um milionário diante da deles. Enquanto eu repetia o prato no refeitório por uma fome momentânea, a maioria deles era a única refeição do dia. Eles não tinham televisão. Alguns nunca colocaram um sapato. Relatavam brigas domésticas dos pais, enquanto outros largavam o colégio diante das exigências da família para que trabalhassem.

No meu longo caminhar para casa me deparava com estudantes de colégios particulares e seus tênis e roupas caras, enquanto seus pais iam buscá-los de carro na porta do colégio. Perguntava-me como podia aquilo. Passei a questionar meus pais, vizinhos, professores e sempre ouvia resposta parecida. “Deus quis assim”. Não era possível! Seria Deus um Diabo pra permitir tamanho sofrimento para alguns e conforto para outros. Meus dias se tornaram um tormento. Eu, ali, inerte, com apenas quatorze anos, angustiado, com uma realidade que iria se tornando aguda dia após dia. Devia ter uma saída, mas não a encontrava. Até que numa manhã de junho enquanto folheava o livro didático de História numa das chatíssimas aulas de Matemática encontrei algo interessante. Vi a figura de um homem estranho e assustador. Seu olhar era centrado. Passei a ler o capítulo a título de curiosidade para saber o que diabos uma figura tão tenebrosa teria tamanha importância a ponto de conseguir uma foto em um livro de História. Foi, ali, naquele momento que minha vida mudou desde então. O capítulo contava a história de uma maioria oprimida, que, subverteu uma ordem imposta durante séculos. O capítulo? Revolução Russa, com Leon Trotsky sendo o ser estranho. Dali em diante o interesse por tal assunto e a busca por algo que aliviasse minha consciência levou-me a buscar na biblioteca da cidade algo sobre aqueles heróis: o POVO! Desde então, aquele menino do interior percebeu uma coisa. Que somente quando os oprimidos se enxergarem como classe e lutarem por si e para si é que haverá uma sociedade justa e igualitária. Sim, é possível. E assim, com quatorze anos virei comunista!