terça-feira, 8 de julho de 2014

A superação do “Tiki-Taka” e a “nova” tática ofensiva: quando futebol e política deliciosamente se misturam



A Copa do Mundo de 2014 sediada no Brasil se destacou pelas inúmeras denúncias de corrupção da FIFA, obras superfaturadas com o dinheiro público, construções de “elefantes brancos”, desalojamento de famílias, aumento da repressão policial, além das manifestações efusivas da classe trabalhadora indignada, não só com tais prerrogativas, mas, também, com os ataques às seus direitos, o que ficou evidenciado nas inúmeras paralisações da classe operária Brasil afora.
Pareado a isso, as seleções deram um verdadeiro espetáculo de futebol, caracterizando o evento, segundo os amantes do futebol, como um dos melhores dos últimos sete mundiais (86, 90, 94, 98, 2002 e 2010). Há, porém, uma velha prerrogativa da esquerda “vulgar” que rotula o futebol como “o ópio do povo”. Afirmação que lateraliza a complexidade desse esporte e as contradições que o permeiam, tanto em seu sentido antropológico (a figura do árbitro como a representação da ordem, portanto constantemente hostilizado, o grito dos torcedores, etc.), histórico (a apropriação pela classe trabalhadora por esse esporte criado pela a burguesia), cultural (a disposição das torcidas em dada região pautado pelo corte classista), lingüística (o uso de expressões do jogo pela classe trabalhadora), dentre outros.
Há inúmeros exemplos da forma política e contestatória que o futebol assume desde a sua fundação enquanto esporte moderno, onde em sua trajetória há confrontos com a ordem. Recentemente, o conservadorismo norte-americano, inconformado com o crescimento do esporte na terra dos yankees, explicitou em suas declarações a leitura preconceituosa e elitista em relação ao futebol, ao alegar que o esporte era “coletivo demais” e “que só atraía a classe mais baixa da sociedade”, ou seja, os imigrantes latinos.
O debate político e o contexto econômico-social afeta, inclusive, o ambiente tático das equipes. Todos se recusam a lembrar do Mundial de 90, ocorrido na Itália, caracterizado como um dos piores da história, não só pelo baixo nível técnico, mas também por uma maior preocupação com a defesa do que com o ataque. Naquele período, a decadência dos regimes estalinistas do Leste Europeu e da URSS fornecia a comemorada expressão “fim da historia” junto a burguesia mundial, ou seja, o avanço do capitalismo através dos planos neoliberais que se desdobrariam numa ofensiva de cortes para a classe trabalhadora. Enquanto isso, no Mundial, a seleção brasileira, em sua pior campanha desde 1966, era o retrato do país, pós-vitória de Collor. Com um esquema tático (3-5-2) criticado por analistas esportivos, por tentar imitar as risíveis seleções “de fora”, a equipe de Sebastião Lazaroni fazia coro aos planos econômicos adotados do país, abertura ao capital estrangeiro e início de um duro processo de privatização das estatais brasileiras. Em campo, o futebol das equipes representava taticamente esse novo contexto mundial, a classe trabalhadora devia se defender diante das ofensivas do capital. No grupo B, a URSS jogava a sua última Copa, sendo eliminada ainda na primeira fase.
A crise econômica brasileira
Diferentemente do Mundial de 90 e do contexto de derrotas para a classe trabalhadora naquele período, a Copa do Mundo de 2014, tem se destacado pela enorme quantidade de gols e pela ofensividade das equipes . Tudo isso conjugado com o ressurgimento das lutas recentes no mundo (a empolgante “Primavera Árabe”, lutas na Grécia, Espanha, Portugal, EUA, África do Sul, “Jornadas de Junho”, etc). Ações em resposta de uma classe trabalhadora indignada e saturada das promessas vazias do sistema capitalista. Adicionado a isso, o evento aflorou debates geopolíticos, além das contradições das instituições FIFA-CBF, amputadas em sua busca inútil em omitir suas negociatas. As evidências de corrupção junto a ingressos para os jogos (em sua maioria, restritos a elite classe-média-branca-alta), os “esquemões” para favorecer patrocinadores, além das ameaças de greve dos jogadores das seleções africanas diante das corrupções de suas federações locais. Por outro lado, tivemos a belíssima participação dos países ex-colônias, agora periféricos no sistema capitalista (a América Latina classificou 7 países para a segunda fase e a África 2).
Em relação a última Copa (2010 na África do Sul), o futebol entediante e sem objetivo praticado pela Espanha, conhecido popularmente como “Tiki-Taka”, tinha como principal finalidade desgastar psicologicamente o adversário, cometendo passes curtos e pouco abusando da ofensividade. O resultado foi uma Espanha campeã com placares modestos, ultrapassando apenas poucas vezes os dois gols. Naquele ano, a crise na Espanha se intensificaria e levaria a grandes manifestações no segundo semestre e com mais rigor em 2011, ressaltando um descompasso da classe trabalhadora espanhola com o entediante “Tiki-Taka” praticado pela seleção do seu país e o ainda “todo-poderoso”, Barcelona (em seu último título da Liga dos Campeões da UEFA, principal torneio continental de times da Europa), que, a exemplo da sua seleção, viria entrar em crise nos anos posteriores a 2012.
O futebol jogado na Copa do Mundo no Brasil (2014) demonstrou que ofensividade com objetividade em nada retiram a beleza e a dinâmica do esporte tão amado pela classe trabalhadora. Em compasso com as mobilizações mundo afora, as seleções demonstraram que a coletividade e a atuação em bloco dão resultados favoráveis, a exemplo dos trabalhadores. Para o futebol e para os operários, não é tempo de “Tiki-Taka”, mas sim de atacar e avançar em suas tarefas!

terça-feira, 8 de abril de 2014

Dona Flor e seus dois maridos (a volta de Vadinho)



A belíssima cena da minissérie "Dona Flor e seus dois maridos" (1997). Atuação impecável de Edson Celulari e Giulia Gam.







segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O espectro do "rolezinho"


Iniciados em dezembro, o famoso “rolezinho” vem se tornando uma ferramenta de mobilização nas grandes capitais do Brasil. O movimento caracterizado por reunir milhares de jovens da periferia em espaços como shoppings ou praças, têm sido constantemente debatidos nas mídias oficiais burguesas e têm causado estranheza até em setores da esquerda.
Porém, diante da complexidade de nossa sociedade tangenciada, principalmente, por sua constante urbanização, tais movimentos devem ser debatidos com a devida cautela, sem cairmos na armadilha de rotularmos binariamente.
O direito à cidade
É sabido que nas recentes pautas do capitalismo, há um profundo apego a reprodução do consumismo. A necessidade de realimentar o sistema com a desvalorização de uso dos produtos e diminuição de sua vida útil provendo a supervalorização do seu valor de mercado é uma ode ao “ter” da sociedade contemporânea. A facilidade do crédito proporcionou a um falso estado de permanência do poder de compra para a classe trabalhadora que inova no revigoramento do sistema, fomentador das dívidas físicas individuais, sustentáculos do consumo e de sua dinamicidade.
Alinhado a isso, temos a ampliação de um projeto urbano que prioriza o desmonte do espaço público e potencializa a construção dos espaços privados, seja para a construção de condomínios luxuosos para a classe dominante, grandes estacionamentos ou espaços de interação coletiva direcionados ao consumo, como o caso dos shoppings centers.
A destruição dos poucos espaços públicos na periferia e o monopólio cultural diversificado restrito aos bairros da elite, concluiu num vácuo que engessasse a juventude periférica em seu eco expressivo, restringindo seus significantes culturais à margem da cidade, o melhor exemplo é a criminalização do funk.  Já alijada do intercâmbio cultural, com a destruição dos poucos espaços alternativos públicos e privados, essa juventude localizada em sub-empregos e precarizada, nasceu orientada a ocupar-se em seu tempo livre nos espaços de consumo, contribuindo na rotação da engrenagem de um hiato subjetivo e deformador.
O “rolezinho” é uma reivindicação ao consumismo?
À primeira vista, determinadas reivindicações de diferentes movimentos causam a devida estranheza, caso nos apeguemos a leitura marxista vulgar da realidade, ancoradas no sectarismo de desprezar as contradições que permeiam a complexidade dos debates. Como, por exemplo, apoiar a união civil estável gay se somos contra a família ou apoiarmos o movimento por reforma agrária se somos contra a propriedade?
São indagações que desnudas de uma leitura sofisticada da realidade nos coloca no time da ordem, pois se despreza o aspecto transitório do programa e suas conclusões contra-hegemonistas de campo. Por isso, devemos ter o tato necessário ao compreender o recente movimento do “rolezinho”, organizado via redes sociais, principalmente, nos shoppings-centers.
Na Turquia, jovens se mobilizaram para impedir a construção de shoppings nas principais praças de Istambul, reconhecendo o impeditivo que esses espaços privados colocariam em suas interações sociais. No caso do Brasil, onde o atrasado e o moderno convivem harmoniosamente para a manutenção do sistema, nós tivemos a construção dos shoppings centers em alguns lugares da periferia onde sequer se teve qualquer espaço público de interação social.
A carência de espaços dessa determinação revelou uma proliferação desses templos de consumo que se mostraram insuficientes para uma juventude que anseia expor sua realidade, sua expressão, não na periferia da cidade, mas sim, nos espaços freqüentados pela elite que a domina no seu cotidiano. A juventude do “rolezinho” quer freqüentar as zonas de lazer da cidade onde só lhe é permissiva sua exploração, sua deformação. Essa juventude, em grande parte negra e pobre, quer coletivamente mostrar que é maioria na população e que coletivamente não será oprimida pela sua origem ao transitar nos espaços freqüentados por àqueles que só aparecem no outdoor das janelas dos precarizados transportes públicos.
Eu quero dar um “rolezinho”!
A polícia militar mais uma vez demonstrou que só protege o espaço privado, além da própria corroboração da justiça, como ficou exemplificado no shopping JK Iguatemi em São Paulo. A burguesia se amedrontou com a “cobrança” dos jovens de periferia carentes de espaços que contribuam em sua expressividade cultural.  Os que alegavam que as jornadas de junho eram atos não protagonizados pela classe trabalhadora, devem revirar-se em seus conceitos, afinal, os precarizados querem lazer e mostrar que não são invisíveis, como ficou claro no grito da juventude do “rolezinho” no Shopping Internacional de Guarulhos no final de ano passado: “Chama geral pra se trombar no baile funk”.
Confesso que ir sozinho ao shopping freqüentado pela classe dominante me deixa constrangido pelos olhares de medo ou na forma que as madames e os playboys seguram seus pertences, como se eu fosse roubá-los. Agora ir com minha galera da periferia dar um “rolezinho” me deixa muito mais animado e seguro!


Não precisamos de PM, só queremos lazer e o direito á cidade!