segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O espectro do "rolezinho"


Iniciados em dezembro, o famoso “rolezinho” vem se tornando uma ferramenta de mobilização nas grandes capitais do Brasil. O movimento caracterizado por reunir milhares de jovens da periferia em espaços como shoppings ou praças, têm sido constantemente debatidos nas mídias oficiais burguesas e têm causado estranheza até em setores da esquerda.
Porém, diante da complexidade de nossa sociedade tangenciada, principalmente, por sua constante urbanização, tais movimentos devem ser debatidos com a devida cautela, sem cairmos na armadilha de rotularmos binariamente.
O direito à cidade
É sabido que nas recentes pautas do capitalismo, há um profundo apego a reprodução do consumismo. A necessidade de realimentar o sistema com a desvalorização de uso dos produtos e diminuição de sua vida útil provendo a supervalorização do seu valor de mercado é uma ode ao “ter” da sociedade contemporânea. A facilidade do crédito proporcionou a um falso estado de permanência do poder de compra para a classe trabalhadora que inova no revigoramento do sistema, fomentador das dívidas físicas individuais, sustentáculos do consumo e de sua dinamicidade.
Alinhado a isso, temos a ampliação de um projeto urbano que prioriza o desmonte do espaço público e potencializa a construção dos espaços privados, seja para a construção de condomínios luxuosos para a classe dominante, grandes estacionamentos ou espaços de interação coletiva direcionados ao consumo, como o caso dos shoppings centers.
A destruição dos poucos espaços públicos na periferia e o monopólio cultural diversificado restrito aos bairros da elite, concluiu num vácuo que engessasse a juventude periférica em seu eco expressivo, restringindo seus significantes culturais à margem da cidade, o melhor exemplo é a criminalização do funk.  Já alijada do intercâmbio cultural, com a destruição dos poucos espaços alternativos públicos e privados, essa juventude localizada em sub-empregos e precarizada, nasceu orientada a ocupar-se em seu tempo livre nos espaços de consumo, contribuindo na rotação da engrenagem de um hiato subjetivo e deformador.
O “rolezinho” é uma reivindicação ao consumismo?
À primeira vista, determinadas reivindicações de diferentes movimentos causam a devida estranheza, caso nos apeguemos a leitura marxista vulgar da realidade, ancoradas no sectarismo de desprezar as contradições que permeiam a complexidade dos debates. Como, por exemplo, apoiar a união civil estável gay se somos contra a família ou apoiarmos o movimento por reforma agrária se somos contra a propriedade?
São indagações que desnudas de uma leitura sofisticada da realidade nos coloca no time da ordem, pois se despreza o aspecto transitório do programa e suas conclusões contra-hegemonistas de campo. Por isso, devemos ter o tato necessário ao compreender o recente movimento do “rolezinho”, organizado via redes sociais, principalmente, nos shoppings-centers.
Na Turquia, jovens se mobilizaram para impedir a construção de shoppings nas principais praças de Istambul, reconhecendo o impeditivo que esses espaços privados colocariam em suas interações sociais. No caso do Brasil, onde o atrasado e o moderno convivem harmoniosamente para a manutenção do sistema, nós tivemos a construção dos shoppings centers em alguns lugares da periferia onde sequer se teve qualquer espaço público de interação social.
A carência de espaços dessa determinação revelou uma proliferação desses templos de consumo que se mostraram insuficientes para uma juventude que anseia expor sua realidade, sua expressão, não na periferia da cidade, mas sim, nos espaços freqüentados pela elite que a domina no seu cotidiano. A juventude do “rolezinho” quer freqüentar as zonas de lazer da cidade onde só lhe é permissiva sua exploração, sua deformação. Essa juventude, em grande parte negra e pobre, quer coletivamente mostrar que é maioria na população e que coletivamente não será oprimida pela sua origem ao transitar nos espaços freqüentados por àqueles que só aparecem no outdoor das janelas dos precarizados transportes públicos.
Eu quero dar um “rolezinho”!
A polícia militar mais uma vez demonstrou que só protege o espaço privado, além da própria corroboração da justiça, como ficou exemplificado no shopping JK Iguatemi em São Paulo. A burguesia se amedrontou com a “cobrança” dos jovens de periferia carentes de espaços que contribuam em sua expressividade cultural.  Os que alegavam que as jornadas de junho eram atos não protagonizados pela classe trabalhadora, devem revirar-se em seus conceitos, afinal, os precarizados querem lazer e mostrar que não são invisíveis, como ficou claro no grito da juventude do “rolezinho” no Shopping Internacional de Guarulhos no final de ano passado: “Chama geral pra se trombar no baile funk”.
Confesso que ir sozinho ao shopping freqüentado pela classe dominante me deixa constrangido pelos olhares de medo ou na forma que as madames e os playboys seguram seus pertences, como se eu fosse roubá-los. Agora ir com minha galera da periferia dar um “rolezinho” me deixa muito mais animado e seguro!


Não precisamos de PM, só queremos lazer e o direito á cidade! 

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