sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

2 de dezembro: dia do samba


Hoje se completam 100 anos desse coroa que embalou alguém, pelo menos uma vez na vida. O samba é uma expressão viva que se adapta conjunturalmente em qualquer contexto econômico, social e político. Ele nos oferece o ombro em momentos tristes, mas pula conosco nos momentos alegres, é revolucionário quando a política nos esmaga e irônico quando ela se torna desinteressada. É democrático em sua confecção, transita no Pelourinho, numa cobertura em Copacabana, numa roda em Madureira, foge pros bares de Porto Alegre, atravessa a Augusta e toca silencioso e constrangido num bordel sujo de Brasília.
Abaixo, trago o primeiro samba gravado no Brasil, que se tem conhecimento, registrado em 27 de novembro de 1916 (data do meu aniversário :'): "Pelo Telefone". A letra já nasce ironizando a relação conflituosa da polícia, que se recusa a reprimir jogos de azar, com o governo daquele ano.
VIVA O SAMBA!!



domingo, 26 de junho de 2016

Dona Central


Estação de ferro Central do Brasil em 1899 (fotografia de Marc Ferrez)

Se me perguntassem qual lugar do Rio de Janeiro eu mais tenho apreço, afirmaria com a profunda certeza: Cinelândia, por uma série de questões, que deixarei para falar em outro momento.
Porém, um dos lugares que mais mexem com minha vida urbano-geográfica é a Central do Brasil. A Central é como um time de futebol, uma relação de amor e ódio, de profundidade e superfície, de distanciamento e aproximação. Posso passar nesse lugar mil vezes no mesmo dia que sempre vai ter algo novo pra eu admirar ou me chocar.
Ali, se encontra a síntese do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil. Miséria e sobrevivência são carregadas nas mãos daqueles que constroem riquezas pra poucos. A angústia se dá quando os rostos cansados evidenciam o esgotamento da alienação, enterrados nas escrituras sagradas, entre barracas de DVDs piratas, correm para agilizar o repouso ínfimo para o batente do próximo dia.
Por outro lado, a História nos é generosa quando representa todo o legado de uma classe reformulada no mundo das máquinas e enriquecida com a pluralidade desse país marcado pelas abissais diferenças, algo evidente na Central do Brasil. Sua alma traz recordações de movimentos de uma classe oprimida e explorada, mas resistente, indignada. Da mãe negra escrava de Maxambomba (atual Nova Iguaçu) às primeiras operárias de Belém (atual Japeri). Dos peões que ergueram a cidade, o retorno às sexta-feiras para Santa Cruz, após o hotel a céu aberto da Presidente Vargas. Os "pivetes" corridos da Candelária com seus pedidos que duram séculos, mas não porque eles querem, mas sim porque há passos apressados dos trabalhadores e trabalhadoras para os vagões, cegos em suas atitudes reproduzidas há décadas.
Apesar do tédio dos passos uniformes e desinteressados daqueles e das heranças daqueles que a geraram, a Central gosta de ser surpreendida e sorri quando sua monotonia é agitada, seja num discurso para 200 mil pessoas ou em alguns jovens sonhadores puladores de catraca. Fenômenos que a senhora Central reconhece, no auge da sua experiência, como transformações densas que estão por vir. Como uma boa mãe, ela se preocupa com seus filhos e filhas, embora, na maioria das vezes, eles e elas não a escute...

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Notas sobre o filme “O pequeno princípe” (2015)

      O livro “Le petit Prince” (“O pequeno príncipe” no Brasil), de 1943, escrita pelo aristocrata francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) - escritor, ilustrador e piloto de avião – pode ser considerada uma das mais belas obras literárias sobre relações humanas que tenha obtido um alcance tão notável (é o terceiro livro mais traduzido no mundo). O núcleo da história é em torno de um aviador perdido no deserto do Saara e o diálogo com uma misteriosa criança habitante de um asteroide chamada B-612. Esta criança relata suas viagens através de outros planetas, além de considerações sobre os adultos e como lidamos com as relações sociais próximas as nós, tudo num espectro filosófico e romântico sobre a vida.

Questões pertinentes

Em adaptação ao livro, é lançado no ano de 2015 a animação que dá o mesmo nome a obra. Sob a direção do americano Mark Osborne (Kung Fu Panda e a série de animação Bob Esponja), o longa apresenta em sua narrativa uma mãe compulsiva em busca da sistematização de tarefas para sua filha, ainda criança. O objetivo de inseri-la num renomado colégio, a induz por construir um planejamento de tarefas engessadas, com muitas horas de estudo e a exclusão da prática do “brincar” ou ter acesso a relações sociais, algo que iria “prejudicar o seu futuro”. A vida da menina muda após estabelecer contato com o seu vizinho, um idoso malquisto pelos moradores do bairro classe média onde morava. O vizinho em questão é o protagonista da obra literária, que narra o encontro com o Pequeno Príncipe, história apresentada paralelamente no estilo stop-motion, o que enriquece plasticamente ainda mais o longa.
Um aspecto bastante interessante do filme é a ênfase que se dá à crítica a sociedade tecnocrata e burocratizada em que vivemos. O apreço pelos números em detrimento da essência é reforçado com a construção de um ambiente cinza, onde os indivíduos andam cabisbaixos e com pressa, diante da tensão de uma vida cronometrada. A alienação do trabalho é explorada no filme, principalmente quando apresenta um pequeno príncipe adulto, que, de forma desajeitada, procura se “adequar” a esse modelo de mundo, mas sempre é demitido por não se incorporar a lógica de exploração do trabalho pelo capital.
Detalhe para o empresário, representado na figura de um sujeito ambicioso acompanhado de seus sócios, incomodados com objetos que incitem a criação, a arte com seu papel libertador. Metaforicamente, a diluição destes objetos por este grupo é sua transformação em clipes de escritório, aspecto interessante que mais uma vez permeia a burocratização do modo de vida da humanidade. Porém, a parte mais chocante é a ânsia pela acumulação de bens do empresário que se apropria de todas as estrelas do céu. Há ainda adereços interessantes no filme, como o guarda que ao prender a menina – naquele contexto onde ser criança era considerado um crime - é aplaudido pela população, o que nos remete aos nossos tempos de espetacularização da barbárie.

A solidariedade de classe

A animação foge ao enredo do livro, que se limita a debater as relações sociais numa ótica genérica, e aprofunda a crítica da construção dessas relações em debate com nosso “mundo adulto” contemporâneo, do modo de produção de capitalista. Ao abordar uma discussão ético-política sobre essas relações, há o reconhecimento evidente da frase do escritor da obra que conduz o filme, onde ele afirma que “só se vêm bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. Afirmação que emerge a necessidade de transformação da nossa sociedade, determinada no atual contexto a ampliar o individualismo e sua fragmentação, hoje refletida no corroer de caráter, assim como o abandono de sentimento de solidariedade e humanidade.
Diante disso, nos cabe uma reflexão, que um mundo novo é possível a partir do momento em nosso horizonte que estejamos propensos a construção de bons adultos, aqueles que não se distanciaram da responsabilidade de cuidar daquilo que cativam, ou seja, de relações sociais que transbordem a afetividade e tomem a solidariedade de classe.

terça-feira, 3 de março de 2015

"Eu sou aquele cheiro doce lá da mata
Água limpa da cascata, o verde dos cafezais
Modéstia parte sou o som daquela viola
Que um caboclo consola quando o acorde se faz

[...]

Eu sou aquilo que inda chamam de beleza
Sou um fato, sou certeza, tudo isso e muito mais
Nasci da terra, sou a flor da natureza
Eu sou vida, sou pureza, amor que não se desfaz"




domingo, 1 de fevereiro de 2015

"Eu queria ter na vida simplesmente
Um lugar de mato verde
Pra plantar e pra colher

Ter uma casinha branca de varanda
Um quintal e uma janela
Para ver o sol nascer"


sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“— Olha, lá vem ele! — gritei de repente, quando o vi ao longe.
Natacha estremeceu, deu um grito e, largando a minha mão, correu ao seu encontro. Ele acelerou também o passo e um momento depois já estavam nos braços um do outro. Na rua, além de nós, não havia quase ninguém. Eles beijavam-se e riam. Natacha ria e chorava ao mesmo tempo, como se se vissem depois de uma longa separação.” (p. 37)

E assim Dostoiévski em “Humilhados e ofendidos” narra a angústia de Vânia, o escritor apaixonado por Natacha, jovem pobre deslumbrada pelas promessas de casamento do nobre Aliocha, este que também se divide com o amor da privilegiada social Kátia. Em contraste, a jovem pobre Nelly, orfã que se sente amparada pela compaixão de Vânia.

Como todo romance de Doistoiévski, há uma evidência sacral de sua concepção “psicologizante” das contradições do ser humano. Devemos sofrer, para nos tornarmos seres amorosos, solidários, com a tão reivindicada compaixão. A permanência de considerações confusas de Natacha que se submete as humilhações do nobre Aliocha demonstra que o apreço pelo poder e a manipulação do romance são caracterizações “naturalizadas” por uma sociedade de classes, onde a permuta de interesses são procedimentos rotineiros nos pesados séculos da humanidade.

Relacionamentos compactados por velhas “novidades” e dispostos na lógica da infelicidade, onde a sensatez se dilui com a irracionalidade. No romance existe o “duplo amor coincidente”, o “gostar de duas pessoas ao mesmo tempo”, fenômeno que afeta dois personagens, ambos em situação favorável na dinâmica das relações que se comprometem e que confortavelmente permanecem a esse modelo cientes de que se encontram privilegiados, portanto, tendo como base a descomprometida crueldade humana, aptos a conservar essa situação.

A gravura ao lado, de um artista que tenho profunda admiração, Oswaldo Goeldi (1895-1961), retrata o exato momento que Natacha larga a mão de Vânia e se joga nos braços de Aliocha. O ecletismo do seu “choro” e “riso” demonstra a obviedade daquela contradição do sentimento que carregava, a dor de “ser a outra” e o “sorriso confortável” antiético de também “ter outro”. 

Psicologicamente

Da lua em prantos,
Coberta de sangue
Meu coração a eclipsava

Daquilo que se debruçara em outrora
Em desrespeito ao meu cântico triste
Que me rompia a consciência

Na convergência infeliz de notícias tristes
Espetava-me os sentidos
Em exigência a algo inexistente

Nos eternos soluços, procurava a solução
Da lua em prantos, veio o sol debochado
Sua gargalhada incomodava, ofendia

Xinguei-o, blasfemei
Isso o fortalecia e me fortalecia
De forças, deixei correntes