sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

“— Olha, lá vem ele! — gritei de repente, quando o vi ao longe.
Natacha estremeceu, deu um grito e, largando a minha mão, correu ao seu encontro. Ele acelerou também o passo e um momento depois já estavam nos braços um do outro. Na rua, além de nós, não havia quase ninguém. Eles beijavam-se e riam. Natacha ria e chorava ao mesmo tempo, como se se vissem depois de uma longa separação.” (p. 37)

E assim Dostoiévski em “Humilhados e ofendidos” narra a angústia de Vânia, o escritor apaixonado por Natacha, jovem pobre deslumbrada pelas promessas de casamento do nobre Aliocha, este que também se divide com o amor da privilegiada social Kátia. Em contraste, a jovem pobre Nelly, orfã que se sente amparada pela compaixão de Vânia.

Como todo romance de Doistoiévski, há uma evidência sacral de sua concepção “psicologizante” das contradições do ser humano. Devemos sofrer, para nos tornarmos seres amorosos, solidários, com a tão reivindicada compaixão. A permanência de considerações confusas de Natacha que se submete as humilhações do nobre Aliocha demonstra que o apreço pelo poder e a manipulação do romance são caracterizações “naturalizadas” por uma sociedade de classes, onde a permuta de interesses são procedimentos rotineiros nos pesados séculos da humanidade.

Relacionamentos compactados por velhas “novidades” e dispostos na lógica da infelicidade, onde a sensatez se dilui com a irracionalidade. No romance existe o “duplo amor coincidente”, o “gostar de duas pessoas ao mesmo tempo”, fenômeno que afeta dois personagens, ambos em situação favorável na dinâmica das relações que se comprometem e que confortavelmente permanecem a esse modelo cientes de que se encontram privilegiados, portanto, tendo como base a descomprometida crueldade humana, aptos a conservar essa situação.

A gravura ao lado, de um artista que tenho profunda admiração, Oswaldo Goeldi (1895-1961), retrata o exato momento que Natacha larga a mão de Vânia e se joga nos braços de Aliocha. O ecletismo do seu “choro” e “riso” demonstra a obviedade daquela contradição do sentimento que carregava, a dor de “ser a outra” e o “sorriso confortável” antiético de também “ter outro”. 

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