quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Rotina

Numa dessas tardes de verão, lá estava eu a retornar para a minha casa depois de um dia cansativo. Incomodado pelo calor, eu caminhava a passos largos driblando pessoas e xingando semáforos, enquanto vigiava a hora no meu velho celular. Carros buzinavam, camelôs gritavam e meu desespero aumentava. O temor de perder o bonde e o sol forte a me castigar é um entrave no decorrer do caminho. A Rua da Assembléia parece interminável. Tenho raiva das pessoas! Depois sentirei vergonha disso. Senhoras que insistem em caminhar vagarosamente bloqueando a passagem. Entregadores de folhetos com propagandas de empréstimo bancário. Homens engravatados que observam a nádega de uma transeunte. Mendigos pedindo dinheiro. Tudo me irrita! Seres humanos viraram meus inimigos. É preciso chegar a tempo, mas os detalhes não deixam. O semáforo não colabora. É uma rotina bem diferente de Valença. Minha cabeça dói. O sinal abre. Não tenho tempo pra pensar futilidades. Tenho que andar cada vez mais rápido.
O Largo da Carioca... Preciso fazer dois minutos. Não tenho tempo pra “licença”. As pessoas me atrapalham. Estou estressado depois de uma madrugada sem dormir fazendo um trabalho e é preciso estudar pra uma prova no dia seguinte. Enquanto o sol me queima sem dó eu consigo fazer os dois minutos. Agora é outro caminho. Tenho que chegar na Estação dos Bondes em três minutos, senão só daqui a meia hora. Não posso esperar tanto tempo. Estou com fome e sede! Minha camisa está totalmente molhada. O suor desliza pelo meu rosto. Machuca os meus olhos. Ultrapasso o sinal. Quase perco a vida, mas preciso chegar a tempo. Falta um minuto. Preciso correr. Ahh... Consegui. O bonde está lá! Posso ver a fila. Espero que não esteja cheio. Não quero ir em pé. Estou cansado. Enquanto conto as moedas analiso as pessoas. Alguns gringos a turismo e outros já moradores que se identificaram com o Brasil. Estudantes de colégio público e alguns "pivetes" que farão manobras, enquanto o bonde anda, para regojizo dos turistas. A fila anda rápido para o meu deleite. Consigo me sentar. Coloco a cabeça sobre o banco e dou um cochilo de dois minutos, enquanto aguardo. Tenho a noção exata de que horas vou chegar em casa. Tudo é cronometrado. Não há muitas surpresas. Já fiquei amigo da rotina. Finalmente o bonde sai. O vento vem até mim e me acaricia com cuidado. Relaxo. É nesse momento que percebo uma germânica encostar seu braço ao meu. Isso me é estranho. Encostar-se a desconhecidos é estranho. Provavelmente ela irá se locomover para tirar fotos quando passarmos nos Arcos. Eu aguardo e ela não desencosta. Eu que até minutos atrás odiava pessoas estou ali sendo encostado por uma estrangeira. Esqueço meus últimos vinte minutos e me dou ao luxo de refletir: "Esses estrangeiros tão individualistas que se orgulham de seu capitalismo avançado e suas competitividades estão aqui se encostando a mim. Quem diria!". Eu me mexo desconfortavelmente, mas ela insiste. É nessa hora que paro um instante para admirá-la. Sua pele branca se torna vermelha devido ao calor tropical. Usa boné e óculos escuros. Veste uma blusa leve de algodão e usa short jeans com sandálias. Seu cheiro é de protetor solar. Ela é casada. Vejo pela aliança. Por um momento paro alguns segundos para observar seu rosto. Ela percebe e me cumprimenta com um sorriso. Sim. Um sorriso! Não de flerte ou zombaria. Um sorriso de cumplicidade. Humanidade! Um sorriso afetuoso. Parecia que estava me agradecendo a oportunidade de deixar que a tocasse. Por um momento eu pensei na sua vida. Na falta do toque no lugar que vivia. Na falta de amor entre os humanos. O distanciamento entre as pessoas. A valorização da matéria. A eterna preocupação em lavar o carro ou se portar decentemente diante de etiquetas. Diante de seu sorriso eu apenas gesticulei com a cabeça, pois sabia que ambos haviam se salvado naquele momento.

5 comentários:

  1. foi uma excelente iniciativa sua de criar esse blog, viu.

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  2. concordo em gênero e número com a Bárbara!

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  3. Não, Rodrigo, ele apenas a cumprimentou com a cabeça, hahahahahahahahaha!

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  4. foi uma excelente iniciativa sua de criar esse blog, viu. [2]

    não falo só porque sou pela saco da minha namorada não. é verdade mesmo!

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