terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Sul da cidade


Irei começar esse texto com uma afirmação óbvia para os moradores do Grande Rio: o transporte público da região é extremamente precário. É um tema simples, que já foi desenvolvido na forma acadêmica, através de gráficos, rabiscos, referências, etc. Ou seja, a comprovação fria de laboratórios e grupos de estudos em prédios pesados me contemplaria. Porém, esse não é o meu objetivo ao dissertar quanto a tal temática, que em sua derivação nos daria teses e teses para programas de pós-graduação no Brasil afora. A minha questão é simples: é o meu trabalho de campo, algo feito por um leigo há alguns anos, não para a academia, logicamente, mas para a minha necessidade.
É importante compreender que a dinâmica geográfica de uma metrópole, no caso, o Grande Rio, esclarece quanto às regiões que sustentarão os anseios de uma classe. Para o nosso interesse: a dominante. A divisão se torna clara quando percebemos o acesso que determinados setores da sociedade têm a espaços culturais e de lazer. A conjugação de fatores que promovem a dificuldade de acesso à esses locais privilegiados, só vêm a reforçar essa clara segregação social. Por mais que sejamos românticos e busquemos a democratização do conhecimento e o lazer, sabemos que a voracidade do sistema que estamos inseridos, dificulta a propagação de tais valores, já que a cristalização de hábitos como o coronelismo, religião, dentre outros, marginalizam, na maioria das vezes, essas regiões do circuito de acesso a instituições alternativas de cultura, além do popular. Não aprofundarei na discussão do popular, ciente que essa forma deve ser salientada. Porém, até que ponto a massificação excessiva, sem o intercâmbio construtivo, alija e deforma o trabalhador culturalmente?
Finalmente, chegarei ao ponto principal de minha explanação, que se trata do deslocamento cruel e desafiador ao proletário que reside em áreas marginalizadas do Grande Rio. O monopólio das empresas de ônibus, amparadas nas suspeitas concessões, além das insistentes rodovias privadas, impedem a estruturação de transportes mais práticos e baratos como os ferroviários. Cabe ressaltar, que além dos preços exorbitantes das passagens, há ainda os desgastantes engarrafamentos, que são um acréscimo nas idas e vindas dos trabalhadores pelas sucursais viagens até o núcleo da metrópole.
O terminal rodoviário Cel. Américo Fontenelle, na Central do Brasil, é a síntese mais expressiva da barbárie contemporânea que acomete aos “excluídos da civilização”. A especulação imobiliária anuncia o progresso com a invasão de lugares clássicos que compõem o ambiente, enquanto não se desloca às comunidades, e alinha-se com o caótico e imenso comércio informal. Filas quilométricas anunciam o desespero de horas e horas dos trabalhadores, trancafiados em caixas de metal, onde se debaterão à procura de assentos, enquanto imaginam serem contemplados pelo divino, já que os não considerados, só voltam para a casa na sexta-feira, enquanto se acomodam em caixas de papelão pela Av. Presidente Vargas. É interessante acompanhar o itinerário dos ônibus que atravessam o Grande Rio, principalmente na Baixada Fluminense. Faz-se o diagnóstico de que não há linhas para a Zona Sul do Rio de Janeiro. Muito se especula a respeito de tal mistério, mas há um aspecto interessante, é nessa região que se encontra a profícua vida cultural da cidade, com cinemas alternativos, exposições de arte, teatros e variados eventos de promoção cultural que elevam a capacidade reflexiva e crítica do homem. Conforme ponderei, não desprezemos a cultura popular, de massas, mas saibamos reconhecer até que ponto a sua restrição limita o ser humano.
Alencar essas questões nos faz compreender até que ponto a estrutura geográfica da cidade deforma as indagações do homem sob o âmbito cultural. A necessidade da arte se faz presente, enquanto autoconhecimento e reconhecimento coletivo, fatores fundamentais no processo de conscientização da classe. Por isso, a busca por políticas públicas que reconheçam a importância de um sistema de transporte efetivo e permita o acesso direto aos locais restritos de promoção da arte. Fator fundamental para a democratização desta aos trabalhadores residentes na periferia. 

Um comentário:

  1. Excelente, eu que moro há mais de uma década numa região pobre, abastecida com uma precária rede de transportes, me senti absolutamente contemplado com a constatação da tragédia cotidiana da exclusão e da desigualdade territorial.

    ResponderExcluir